Dor e ansiedade

A dor no paciente queimado pode ser excruciante, resultando da combinação de processos fisiológicos e fatores psicológicos como estresse, ansiedade e delirium.

O controle inadequado da dor na fase aguda está associado a redução da qualidade de vida, piores resultados funcionais, aumento da incidência de dor crônica, estresse pós-traumático, ideação suicida e piora geral da saúde mental. (ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018).

No atendimento inicial, algumas medidas podem ser consideradas – além do tratamento farmacológico – para controle da dor (Figura 13). (LEGRAND et al., 2020; TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016; YASTI, 2015).

Figura 13: Medidas para controle da dor no atendimento inicial ao grande queimado

Elaborada pela autora.

O controle farmacológico deverá ser por via endovenosa, já que a absorção por via subcutânea e intramuscular pode ser prejudicada pelas alterações na circulação periférica. (PINHO et al., 2016; TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016; YASTI, 2015).

A analgesia endovenosa deverá ser ajustada para promover o controle efetivo da dor, atentando-se para o risco de depressão respiratória. (TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016; YASTI, 2015). Assim, recomenda-se a administração de doses tituladas, evitando subdoses e analgesia inefetiva, assim como sobredose e depressão respiratória. (TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016; YASTI, 2015).

Na etapa de ressuscitação do grande queimado, recomenda-se a associação de opioides e benzodiazepínicos para o controle da ansiedade. (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017; TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016). Fármacos dissociativos como a ketamina podem ser utilizados para o controle da dor durante procedimentos, reduzindo a necessidade de uso de opioides (Quadro 4). (LEGRAND et al., 2020).

Quadro 4: Fármacos utilizados na etapa de ressuscitação do grande queimado quanto a dose, via de administração e cuidados.

FármacoDose Via de AdministraçãoCuidados
Morfina0,05 -0,1 mg/kg

0,002- 0,005 mg/kg
in bolus (intervalos de 10 minutos p/ dor associada a procedimentos), ou intervalo mínimo 3/3h

EV contínua
Observar depressão respiratória e hipotensão.
Fentanil0,5-2 mcg/kg

0,5- 5 mcg/kg/hora
in bolus (intervalos de 10 minutos p/ dor associada a procedimentos)

EV contínua
Observar depressão respiratória, rigidez torácica e bradicardia.
Midazolan0,1- 0,15 mg/Kg.

0,05- 0,15 mg/Kg/hora.
in bolus

EV contínua
Observar hipotensão.
Ketamina0,1 -0,3 mg/kg

c/15min (máx 3 dosis)

0,006 -0,012 mg/kg
in bolus

EV contínua
Associar a benzodiazepínico (MIdazolan) para prevenção de alucinações.

Adaptado de CHILE (2016) e YASTI (2015).

Recomenda-se que crianças ou adultos sob maior estresse ou ansiedade sejam submetidos aos procedimentos sob anestesia geral em bloco cirúrgico. (YASTI, 2015).

A experiência da dor varia ao longo do tratamento.

Na fase aguda, ela está relacionada à lesão térmica e à estimulação de nociceptores, tendo início imediatamente após a injúria, sendo de alta intensidade. (ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018). Pode, ainda, estar relacionada a procedimentos, como banho e curativos, e ao período perioperatório. O paciente poderá, também, experimentar dor constante em repouso (background pain), agravada por episódios de dor intensa e inesperada (breakthrough pain).

Assim, o tratamento da dor deve contemplar seus diferentes padrões. (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017; ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018), recomendando-se a utilização de estratégia multimodal (LEGRAND et al., 2020) ou da “escada analgésica”, que enfatiza o uso de analgésicos não opioides e anti-inflamatórios não esteroidais para o tratamento inicial com associação de outros fármacos conforme aumento da intensidade. (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017; ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018).

A adoção de protocolos de avaliação e tratamento da dor é encorajada. (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017; LEGRAND et al., 2020).

Para a avaliação da adequação da analgesia, recomenda-se o uso de escalas validadas (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017; ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018).

Os sinais vitais não devem ser usados isoladamente para avaliação da intensidade da dor, mas podem indicar ao profissional a necessidade de avaliação, que deverá ser por escala objetiva.  (ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018; PINHO et al., 2016).

Principais Cuidados de Enfermagem Sugeridos

Abordar cada paciente individualmente, respaldando-se em protocolos devidamente atualizados.

Contemplar os diferentes padrões de dor.

Otimizar a analgesia para que o paciente permaneça alerta e confortável.

Administrar analgésicos e sedativos de forma titulada durante banho e curativo atentando para risco de depressão respiratória e instabilidade hemodinâmica.

Considerar o impacto de ansiedade e fatores emocionais.

Referências

CHILE, Ministerio de Salud. Guías clínicas AUGE: gran quemado. Guías clínicas AUGE: gran quemado, [Santiago], p. 109–109, 2016.

EUROPEAN BURN ASSOCIATION (org.). European practice guidelines for burn care: Minimum level of burn care provision in Europe. [Barcelona]: European Burns Association, 2017. Disponível em: doi.org. Acesso em: 9 jun. 2020.

ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE. ISBI Practice Guidelines for Burn Care, Part 2. Burns: Journal of the International Society for Burn Injuries, [Floresville], v. 44, n. 7, p. 1617–1706, 2018. Disponível em: doi.org

LEGRAND, Matthieu et al. Management of severe thermal burns in the acute phase in adults and children. Anaesthesia Critical Care & Pain Medicine, [S. l.], v. 39, n. 2, p. 253–267, 2020. Disponível em: doi.org

PINHO, Fabiana Minati de et al. Guideline das ações no cuidado de enfermagem ao paciente adulto queimado. Rev. bras. queimaduras, [Goiânia], p. 13–23, 2016 a.

TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION. Burn Clinical Practice Guideline. Austin: [s. n.], 2016. E-book. Disponível em: tetaf.org. Acesso em: 14 jan. 2020.

YASTI, Ahmet Cınar et al. Guideline and Treatment Algorithm for Burn Injuries. Turkish Journal of Trauma and Emergency Surgery, [Istambul], 2015. Disponível em: doi.org. Acesso em: 9 maio. 2020.