Queimaduras em crianças

É necessário considerar as particularidades em relação à composição corporal, como a área da superfície corporal, quase três vezes superior em relação à massa corporal de adultos, o que predispõe crianças a maior perda hídrica e hipotermia. (TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016; YOUNG et al., 2017). Assim, alguns critérios conferem maior gravidade para queimaduras em crianças (LEGRAND et al., 2020) (Figura 17).

 

Figura 17: Critérios de gravidade para queimaduras em crianças

Elaborada pela autora.

A avaliação da extensão da queimadura pode ser superestimada pela aplicação da regra de Wallace, ou regra dos nove, sendo recomendada a utilização da regra de Lund-Browder, a qual pode ser guiada por alguns aplicativos disponíveis. (LEGRAND et al., 2020). Pode-se, ainda, utilizar a área da mão da criança, com os dedos abertos, como equivalente a 1% de SCQ, método que evita a superestimação do dado.

A reposição volêmica estará indicada, por via endovenosa, quando a SCQ for superior a 10%. Para método de cálculo podem ser utilizadas a fórmula de Galveston, ou a fórmula de Parkland modificada. (ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018; LEGRAND et al., 2020; YASTI, 2015).

Fórmula de Galveston = 5000 ml/m2 área corporal queimada + 2000 ml/m2 área corporal total

Fórmula de Parkland Modificada = 3 mL x Peso x %SCQ (máximo 50%) + Solução de manutenção (necessidades fisiológicas):

100 mL x Peso até 10 Kg;
1.000 mL + 50 mL/Kg entre 10 a 20 Kg;
1.500 mL + 20 mL/Kg para crianças com peso acima de 20 Kg.

Recomenda-se o uso de Ringer Lactato acrescido de solução para a manutenção de necessidades fisiológicas, composta por glicose. (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017). Sobre o uso de coloides, embora seja prática vigente em alguns centros, não há evidências que respaldem. (CHILE, 2016; ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2016).

Monitorização da resposta à reposição

Controle de diurese, com débito urinário esperado de 1 a 2 ml/kg/h. (EUROPEAN BURN ASSOCIATION, 2017; ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE, 2018; LEGRAND et al., 2020; YASTI, 2015).

Resfriamento da lesão

No atendimento inicial, crianças com SCQ inferior a 10% sem sinais de choque poderão ter a lesão resfriada – em geral com água a 15ºC –, intervenção que poderá limitar o aprofundamento das queimaduras. (LEGRAND et al., 2020).

Controle da dor

Uma estratégia recomendada é a utilização de coberturas com prata com ação prolongada, a fim de diminuir a necessidade de troca de curativos. (YOUNG et al., 2017).

Um ponto crucial ao assistir crianças queimadas consiste na identificação de situação de violência (Quadro 6) (TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION, 2016; YASTI, 2015).

Quadro 6: Sinais de violência em queimaduras em crianças.

Sinais de Violência em Queimaduras em Crianças
Sinais Sugestivoshistória inconsistente, lesões inconsistentes divergentes em relação à história, cuidador pouco interessado, queimadura por escaldamento circunferencial com bordas regulares
Sinais Patognomônicosbaixa sensibilidade a estímulo doloroso, lesão que aparente tempo de evolução maior que o referido, presença de diferentes tipos de queimaduras e incisões, tentativa do cuidador de esconder lesões, lesões em áreas incomuns como língua

Adaptado de Texas EMS Trauma & Acute Care Foundation Trauma Division (2016); YASTI (2015).

Principais Cuidados de Enfermagem Sugeridos

Controlar a reposição volêmica através da monitoração da velocidade de infusão e da resposta hemodinâmica.

Prevenir/controlar hipotermia e hipoglicemia.

Controlar dor.

Atentar para sinais de violência, notificação e devidos encaminhamentos quando pertinente.

Referências

CHILE, Ministerio de Salud. Guías clínicas AUGE: gran quemado. Guías clínicas AUGE: gran quemado, [Santiago], p. 109–109, 2016.

EUROPEAN BURN ASSOCIATION (org.). European practice guidelines for burn care: Minimum level of burn care provision in Europe. [Barcelona]: European Burns Association, 2017. Disponível em: doi.org. Acesso em: 9 jun. 2020.

ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE. ISBI Practice Guidelines for Burn Care. Burns: Journal of the International Society for Burn Injuries, [Floresville], v. 42, n. 5, p. 953–1021, 2016. Disponível em: doi.org

ISBI PRACTICE GUIDELINES COMMITTEE. ISBI Practice Guidelines for Burn Care, Part 2. Burns: Journal of the International Society for Burn Injuries, [Floresville], v. 44, n. 7, p. 1617–1706, 2018. Disponível em: doi.org

LEGRAND, Matthieu et al. Management of severe thermal burns in the acute phase in adults and children. Anaesthesia Critical Care & Pain Medicine, [S. l.], v. 39, n. 2, p. 253–267, 2020. Disponível em: doi.org

TEXAS EMS TRAUMA & ACUTE CARE FOUNDATION TRAUMA DIVISION. Burn Clinical Practice Guideline. Austin: [s. n.], 2016. E-book. Disponível em: tetaf.org. Acesso em: 14 jan. 2020.

YASTI, Ahmet Cınar et al. Guideline and Treatment Algorithm for Burn Injuries. Turkish Journal of Trauma and Emergency Surgery, [Istambul], 2015. Disponível em: doi.org. Acesso em: 9 maio. 2020.

YOUNG, Alan W. et al. Guideline for Burn Care Under Austere Conditions: Special Care Topics. Journal of Burn Care & Research, [Galveston], v. 38, n. 2, p. e497–e509, 2017. Disponível em: doi.org